A HIPOCRISIA DO FAKE SUSTENTÁVEL
- Thulio Castro
- 26 de abr.
- 6 min de leitura
Decorar um ambiente não precisa ser prejudicial ao planeta, e quando o assunto é paisagismo, a sustentabilidade pode ser ainda mais presente. Jardins, áreas externas e outros projetos que trazem a natureza para o espaço da casa podem ter a preservação do meio ambiente como prioridade, e diversos materiais, espécies da flora e ferramentas de trabalho podem potencializar esse cuidado.
Diante de tanto clichê barato do que é “paisagismo sustentável”, decidi argumentar em cima de uma matéria que tem rodado a internet e um dos links que encontrei sobre o mesmo tema está no final deste artigo. Minha intenção não é causar discórdia ou intriga, mas sim alertar aos perigos da argumentação rasa e apresentar meu ponto de vista que traz um aprofundamento mais prático e com a visão de um profissional do paisagismo que vive e fala de dentro do coração da Amazônia.
Luciano Zanardo é um paisagista bastante conceituado no Brasil e tem minha admiração no quesito estético. Em seu DNA de paisagista carrega projetos com composições tropicais que são a cara da flora nacional e tropical. É originário de Bauru SP, ostenta a criação e planejamento de diversos jardins que vão desde projetos residenciais até intervenções corporativas de grande porte. É um dos profissionais CasaCor 2024 e, nesta circunstância, faço uma abordagem em um artigo escreve e se destina a grandes veículos de mídia e redes sociais sobre sustentabilidade no paisagismo.
As citações dos artigos são bem mais rasas do que o volume profissional dele e me fazem refletir sobre circunstâncias e causos que acho muito importante discutir. Estes artigos apontam 05 “tendências” para que projetos de paisagismo sejam cada vez mais sustentáveis.
1 Uso de recursos renováveis durante a construção
É muito óbvio que o uso de materiais de fontes renováveis traz uma atmosfera de sustentabilidade e consequentemente um comprometimento com a sustentabilidade. É citado no artigo o uso do bambu, concreto verde (tive que pesquisar isso no Google), madeira certificada (esse é um baita mito) e outras baboseiras que você encontra por aí na internet. Estes são alguns dos materiais apontados que podem auferir o selo “ainnn... s-u-s-t-e-n-t-á-v-e-l”. Considerando apenas os itens supracitados, tenho algumas considerações:
Bambu... vejamos bem. Bambu é bonitinho, traz “leveza” (gente, eu tenho arrepios a estes jargões tipo leveza, sustentável, tendência, super combina e outros “argumentos” pra tentar vender projeto pra ricão) e tem um visual orgânico. Agora, o negócio é que o bambu tem uma severa limitação de seu uso no Brasil pois, além da escassez de empresas que realmente dominam esta arte e técnica, que é produzir e trabalhar o bambu, o que afunila muito o uso deste material, sem tratamento constante e muito específico ele se deteriora. Nosso país é fundamentalmente tropical, com muita umidade em quase toda sua extensão. Isso por si só já coloca em dúvida o uso e a sustentabilidade deste material.
Já se tratando de concreto verde, procurei me informar mais sobre o assunto e vou resumir pra sua melhor compreensão: é a massa de concreto com adição de alguns elementos residuais, tanto da construção civil como da agricultura. São restos de obras (devidamente selecionados, classificados, separados e adicionados à massa) e resíduos da agricultura (cinza, carvão, casca de arroz ou até de café). Esta técnica aponta uma solução bem criativa para a destinação de resíduos. Se ao longo do tempo pode se mostrar eficiente? Só o tempo dirá, mas já gosto da ideia.
Agora o mais polêmico dos itens apontados na matéria. Madeira certificada. Tem muito confete e firula em torno deste tema. Como engenheiro florestal, tenho alguma intimidade com a área. Conheço e conheci alguns profissionais que emitiram e ainda emitem estes certificados que são dos mais variados. Eles têm como premissa a prática de métodos de manejo que tornam (ou deveriam tornar) a exploração desta madeira mais sustentável. Na minha visão é selo pra fazer a parada ficar bonita na foto e agregar mais valor ao produto, mesmo não sendo necessariamente eficiente. Existe boa intenção nisso de selo verde? Possivelmente. Tem muita balela? Muita, com certeza. Se você ta achando que só porque seu mobiliário tem um “selo verde” você está contribuindo para um mundo melhor, me dou ao direito de perguntar se você acredita em coelhinho da Páscoa e Papai Noel.
2 Deck de madeira ecológica
Deck e estruturas arquitetônicas com madeira é uma boa aposta. Principalmente a madeira, que é renovável. Mas infelizmente há uma parte considerável de madeira explorada no Brasil proveniente de madeireiras clandestinas, de origem adulterada ou sem práticas adequadas (estou me referindo à madeira proveniente de projetos de manejo florestal na Amazônia, ainda não entramos na história de madeira de reflorestamento). Os projetos de reflorestamento tem se mostrado uma boa alternativa à exploração da floresta nativa, mas um não anula necessariamente o outro.
Plástico reciclado, reaproveitado e reutilizado como método de preservação e conservação é bom. Compro a ideia. O problema que vejo nisso é que após o uso e seu eventual descarte, tende a voltar pra onde iria antes. Lixões e aterros sanitários. Já a madeira, depois de muito e um eventual descarte pós uso, pode virar lenha, carvão e até matéria orgânica pra adubação com húmus. Plástico é fatidicamente um grande problema da sociedade contemporânea. Se Cabral tivesse trazido garrafas pet lá de Portugal no século XVI aqui para o Brasil, até hoje ia ter garrafa espalhada por aí.
3 Vasos vietnamitas
Não consigo considerar vasos vietnamitas (o autêntico do Vietnã) como uma prática sustentável. Estes vasos são muitas vezes produzidos em condições análogas ao trabalho escravo. Atravessam oceanos em cargueiros transatlânticos que emitem milhões de toneladas de resíduos fósseis nos mares e na atmosfera e deixam boa parte do dinheiro por lá mesmo, não aqui na nossa economia. Quer sustentabilidade nisso? Que tal usarmos vasos de origem nacional? Tem muita coisa boa sendo produzida aqui. Há modelos que não deixam a desejar em nada que não seja o glamour de ter um vaso vietnamita. Não reprovo o uso destas maravilhosas peças de arte, só acho que não se enquadra numa prática sustentável. Na boa mesmo.
4 Vegetação tropical
Chegou na parte que eu mais gosto. Falar sobre uso de vegetação tropical. E sim, há alguma “sustentabilidade nisso”. Primeiro porque somos um país essencialmente tropical e o uso de espécies deste tipo climático é uma maneira de ter plantas mais apropriadas ao nosso clima. Além disso, com o uso de plantas nativas, damos mais valor à nossa flora que é riquíssima! Quando usamos espécies tropicais e nativas, nossos jardins tendem a ter menos uso de defensivos agrícolas, menor quantidade de uso de água, mais adaptação, etc.
5 Obras de arte retratando a natureza
O uso de elementos artísticos também pode ser estendido aos ambientes externos! Adoro usar elementos artísticos no jardim. Esculturas, molduras, cobogó, etc. Considero que o uso de elementos que tragam a atmosfera natural (quadros de florestas, paisagens, flores, etc) contribuem muito para o enriquecimento de um projeto. Mas cá entre nós, não vejo muita sustentabilidade nisso. É da hora, mas não se enquadra em nenhum capítulo do desenho animado Capitão Planeta.
É preciso ter muito cuidado ao falar de sustentabilidade. Esse termo tem sido muito utilizado apenas como um mecanismo de captura de clientes, deixando de lado a verdadeira natureza de se praticar ações que visem assegurar às presentes e futuras gerações um meio ambiente equilibrado. Em 2010 morei numa comunidade ribeirinha no coração da floresta amazônica. Trabalhei como extensionista rural, desenvolvendo práticas e compartilhando algum conhecimento (eu pensei que ia ensinar o padre a rezar a missa...) às famílias tradicionais da Amazônia na região denominada de baixo madeira, aqui mesmo no imenso município de Porto Velho. Uma curiosidade aqui: a cidade de Porto Velho é relativamente pequena, tem uns 480 mil habitantes, já o município tem uns 550 mil habitantes e este mesmo município é grande o suficiente pra ser maior em extensão territorial que países com Bélgica e Israel.
Um dos acontecimentos que estive presente foi a recepção e acompanhamento de um grupo de estudantes e estudiosos vindos de São Paulo que tinham a missão de desenvolver práticas sustentáveis na Amazônia e suas comunidades Um dos fatos que mais me intrigou foi a inconsistência que eles mesmos identificaram na gestão dos resíduos que eles mesmo geraram durante a permanência deles no desenvolvimento dos trabalhos. A grande questão, que vou apontar, era: o que fazer com os resíduos das embalagens e recipientes que trouxeram de São Paulo? Chegaram a cogitar levar de volta pra SP e distribuir de acordo com a classificação do resíduo em pontos de coleta. Após cálculos e discussões apaixonadas, perceberam que o mais adequado seria a incineração. Voltar de avião tinha a questão da emissão de CO2 pelo avião, levar pra cidade de Porto Velho não ia resolver porque não há até hoje práticas de reciclagem pela administração pública e população. Pensaram em mil maneiras de tornar aquilo sustentável, mas deram com os burros n’água. Também achei que ali a melhor forma de se resolver a situação seria incinerar o lixo. Tá certo que tocar fogo no lixo não é muito legal, mas diante da complexidade daquela situação, foi a alternativa com melhor custo x benefício.
O que quero dizer é: se você quer ser responsável com o nosso planeta, dou o maior apoio. Mas vir com papinho furado de tendência sustentável e elencar um monte de baboseira só pra vender e agradar o clubinho, ah, não. Não caio nessa e nem recomendo que você caia.
Por Thulio Castro
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